Quinze dias, do Vitor Martins, é um livro fofo e leve, muito tranquilo de ler, simples de absorver e fácil de compreender. Porém, ao mesmo tempo, é uma história que consegue abordar com profundidade a falta de autoestima e de uma vida inteira de ofensas e desconforto.
Ouvi muita gente falar sobre o livro por ele ser LGBT, mas a questão mais complexa e melhor trabalhada em Quinze dias é a relação do personagem principal, Felipe, com o próprio corpo, a maneira como ele se via e se escondia do mundo, ou pelo menos tentava.
“Está feito. A palavra foi jogada. Da mesma maneira que as coisas mudaram quando Caio disse “eu sou gay”, elas mudam quando falo “eu sou gordo”. Porque “gordo” é o tipo de palavra que as pessoas tentam esconder a qualquer custo. Todo mundo diz “fofinho, ou "forte”, ou “grande”, ou “cheinho”, mas nunca GORDO”.
SINOPSE: Felipe está esperando por esse momento desde que as aulas começaram: o inÃcio das férias de julho. Finalmente ele vai poder passar alguns dias longe da escola e dos colegas que o maltratam. Os planos envolvem se afundar nos episódios atrasados de suas séries favoritas, colocar a leitura em dia e aprender com tutoriais no YouTube coisas novas que ele nunca vai colocar em prática.
Mas as coisas fogem um pouco do controle quando a mãe de Felipe informa que concordou em hospedar Caio, o vizinho do 57, por longos quinze dias, enquanto os pais dele estão viajando. Felipe entra em desespero porque a) Caio foi sua primeira paixãozinha na infância (e existe uma grande possibilidade dessa paixão não ter passado até hoje) e b) Felipe coleciona uma lista infinita de inseguranças e não tem a menor ideia de como interagir com o vizinho.
Os dias que prometiam paz, tranquilidade e maratonas épicas de Netflix acabam trazendo um turbilhão de sentimentos, que obrigarão Felipe a mergulhar em todas as questões mal resolvidas que ele tem consigo mesmo.
TÃtulo: Quinze dias
Autor: Vitor Martins
Editora: Globo Alt
Número de páginas: 205
Gênero: Ficção jovem
ISBN: 978-85-250-6315-1
“Um dia você aprende a gostar mais de quem você é, e isso vai refletir em como as outras pessoas vão te enxergar. Gente babaca vai existir para sempre, mas a gente aprende a resistir. E isso é o mais importante”.
Recentemente, ao ler Fome da Roxane Gay, acompanhei o relato sincero da autora sobre o quanto corpos como o dela incomodam, sobre como o mundo quer que ocupemos pouco espaço. Felipe, mesmo sendo gordo e alto, tenta o tempo todo diminuir de tamanho, ao olhar para baixo, ao não conversar, ao não fazer amigos. Ele não quer incomodar, tem medo de existir, do que vão pensar sobre ele. Em uma sociedade tão gordofóbica, morar no próprio corpo, para pessoas como Felipe e Roxane, é quase insuportável. E essa é uma questão que vai muito além do se sentir bonito e desejável.
Vitor traz, usando a simplicidade poderosa do gênero, uma mensagem de autoaceitação eficaz, e mostra que é um dos autores de YA (jovens-adultos) com maior senso de responsabilidade que já li. Fica claro, em Quinze dias, que o autor reconhece que tem algo a dizer para o público jovem, cheio de leitores que ainda estão formando suas visões de mundo. E é bom saber que um público tão novo tem acesso a livros como este.
“E quando Caio me encosta, seu toque não tem repulsa. Diferente de todas as vezes que me empurraram, me beliscaram e me provocaram, o toque de Caio me faz bem”.
Vitor sabe levar o leitor aos extremos: em um parágrafo eu estava rindo, no seguinte, me emocionava. Em alguns momentos, chorei de quase soluçar (mesmo a história não sendo nem um pouco triste) e, em seguida, me pegava sorrindo para o livro, desses sorrisos de gente apaixonada. É isso o que boas histórias como Quinze dias fazem: nos deixam com sorrisos bobos no rosto.
Por tudo isso (e mais, que você só vai descobrir lendo), Quinze dias é aquele tipo de livro que traz um calorzinho de esperança em uma juventude melhor, uma juventude formada por histórias como a de Felipe e Starr (O ódio que você semeia).
FOTOS: ThaÃs Herculano